Este deve ter sido, com quase 100% de
certeza, o evento em que nos inscrevemos com maior antecedência. Era uma
primeira edição (com todas as vantagens e desvantagens que daí advêm) mas isso
não nos assusta e, até por esse motivo, sentíamos que havia oportunidade de
ajudarmos a fazer história e, quem sabe, dar início a uma nova série de eventos
anuais. Adicionalmente, seria disputado numa das regiões mais bonitas do país,
que apesar de conhecermos já não visitávamos há algum tempo. Mais uma vez,
teríamos a participação numa corrida como desculpa para fazer um passeio.
Assim, validámos as nossas inscrições logo em Janeiro (e já não fomos os
primeiros!).
O plano era, aparentemente, simples.
Tirávamos a segunda feira de férias e, deste modo, podíamos passar o fim de
semana tranquilamente em Cinfães. Pois, aparentemente…
Acontece que, por diversos motivos, na
semana anterior ao evento ainda não tínhamos alojamento. E o cerco apertava-se,
o tempo começava a escassear. Até porque havia um pormenor… dois dos nossos
cães teriam de fazer a viagem connosco o que, à partida, limitaria as opções
disponíveis. Mas a persistência é uma das nossas características, por isso não
desistiríamos sem dar luta!
Gorados então os nossos projectos
previstos, voltámo-nos para os contactos que a organização sugeria no site como
soluções de alojamento. Entre os que estavam já cheios, os que eram fora do
nosso orçamento para este efeito e os –
muitos – que não aceitavam animais, fomos ficando sem alternativas. Após um
breve momento de desapontamento, repensámos e decidimos fazer dois contactos:
um com a organização do evento, neste caso o André, outro com um grupo de
entusiastas do BTT que costuma organizar uns passeios na Gralheira, os KunalamaAD Portela Rota do Românico, na pessoa do Bruno Bartes.
Este último, à imagem do que tinha
acontecido em Dezembro passado aquando do anterior contacto que tínhamos
mantido, foi inexcedível e ultrapassou largamente aquilo que solicitámos (que,
na nossa perspectiva, já era uma enorme favor): contactou directamente a
proprietária de uns alojamentos rurais que, apesar de não ter vagas, lhe
transmitiu dois contactos para que pudéssemos falar directamente. Num deles,
mal fizemos a primeira pergunta “aceitam cães?”, deram-nos uma grande alegria
com a resposta “sim, aceitamos cães, gatos, passarinhos, o que quiserem
trazer!”. Há respostas mesmo boas de ouvir! Mas logo de seguida, nova
desilusão: “na noite de sábado estamos cheios”. Tentámos o outro contacto: também
estavam completos! A esperança começava a esmorecer….
Estávamos já a pensar não passar o
final de semana, mas fazer a viagem na madrugada de domingo e arranjar
alojamento apenas para um dia, até segunda feira. Ponderávamos a hora a que
seria necessário sair, o cansaço da viagem e a forma como influenciaria a
corrida, toda a logística para nós e para os cães para uma noite apenas. E onde
ficariam os cães enquanto estávamos no trail? No carro? E o calor? E se formos
só no domingo e voltarmos no próprio dia?
Todas estas questões nos passavam pela
cabeça, e íamos discutindo cada uma delas, quando o telefone toca: “ligaram
para aqui a saber se podiam trazer cães? Vocês querem de sábado até segunda,
certo? Tivemos agora mesmo uma desistência, já temos a noite de sábado livre”.
Maravilha! Uma rápida conversa e ligamos de volta à D. Emília, da Casa daGeada, a confirmar: ficamos com o quarto!
Sábado de manhã ainda era dia de
trabalho (para o Pedro, a Anita podia ficar a descansar) e, para que não
avançasse pela tarde dentro, começou bem cedo. Tudo correu bem pelo que eram
15h e já estava tudo no carro, cães incluídos, e pronto para nos fazermos à
estrada. Viagem calma, uma parte em auto estrada e outra nas estradas de serra,
com direito a paragem na barragem do Carrapatelo para umas fotos e tudo! Em
breve estávamos bem no centro de Cinfães, para levantar os dorsais e poder
conviver um pouco com os amigos que também já lá se encontravam.
Depois foi seguir para a nossa casa
para esse fim de semana, a cerca de 25 minutos de carro, para podermos
descarregar tudo, descansar um pouco e jantar. Na viagem para lá tentávamos
memorizar o caminho para que no dia seguinte, bem cedo, não houvesse atrasos,
além de irmos tentando ver locais onde pudéssemos ir jantar. A primeira função
foi vitoriosa, na segunda não tivemos sucesso. Não havia restaurantes por
perto.
fotografia de João Pena Rebelo |
Por sorte, ou talvez não, na chegada
ao turismo rural fomos muito bem recebidos, por pessoas fantásticas e que nos
puseram logo muito à vontade, inclusivamente deixando-nos optar pelo quarto que
mais nos convinha (por causa dos cães), pois mais nenhum dos hóspedes tinha
ainda chegado. Apesar disso, acabámos por ficar no que nos foi sugerido, o mais
perto da porta que dava para o exterior. De seguida uma visita guiada pela casa
e pela totalidade da oferta disponível: sala de leitura, sala de convívio, sala
de televisão, sala de jogos, jardins, piscina, churrasqueira, enfim,
praticamente um mundo naquele pedaço de serra. Aproveitámos a boa vontade para
questionar sobre o jantar, prontamente sendo servidos com um cartão de um
restaurante na Gralheira, a cerca de 10 minutos de carro (na ida, porque na
volta, já de noite e sem conhecermos, demorámos um pouco mais, mas sem nos
perdermos).
fotografia de João Pena Rebelo |
No regresso do jantar, apesar de não
ser tarde, apenas demos um pequeno passeio com os cães pelos jardins da quinta,
conversámos um pouco com os proprietários e fomos para o quarto preparar tudo
para a corrida e deitar, pois a alvorada seria bastante cedo na manhã seguinte.
E, depois de uma noite mal dormida, fosse por estanhar o local fosse por alguma
ansiedade, ainda o dia não tinha clareado e já o nosso despertador tocava para
irmos ao pequeno almoço e passear os cães. Depois de tudo tratado, ainda com a
lua no céu, fizemo-nos ao caminho e, pelas 7h00, estávamos já no centro de
Cinfães, de onde sairia o transporte que nos levaria ao ponto de partida, a
ponte de Mosteirô.
fotografia de João Pena Rebelo |
Como sempre, encontrámos alguns amigos
com quem falámos um pouco e ainda deu tempo para ir tomar café e só depois
entrámos num dos autocarros para seguir viagem para o local de início. Aqui as
coisas começaram a correr um pouco mal para o Pedro: apesar de a viagem não ser
muito demorada, era pela estrada de serra, sempre em curva e contracurva
descendo em direcção ao rio. Este facto aliado ao calor que estava dentro do
autocarro, fez com que ele se começasse a sentir indisposto. Não era nada bom
ficar assim antes de ter de correr 18 km pela serra. Felizmente, como a partida
ainda demorou e, por isso, pudemos estar algum tempo na ponte, apanhando ar
fresco, essa indisposição passou e quando chegou a hora de começar a correr já
tudo estava bem. Entretanto, mais umas conversas, incluindo com um colega de Lisboa
que nunca imaginaríamos encontrar ali e, como não podia deixar de ser, as
inevitáveis fotografias, quer nossas quer da linda paisagem. Até um barco de cruzeiros
no Douro passou, para toda a gente poder ver a excelente oferta turística da
região.
Agora sim começaria a dureza. E que
dureza! Nem 500 m tinham passado e estávamos já a subir. E isto seria uma constante
praticamente até ao final. Segundo os registos dos nossos gps, esta foi a
corrida, de todas as participámos até hoje, em que mais subimos, onde o
acumulado de desnível positivo foi maior. Mesmo quando apareciam pequenas
descidas, além de difíceis, algumas quase de rappel, eram curtas. O que valia
era a paisagem, o ar puro (excepto quando apanhámos algum pó) e os vários km
junto ao rio, algumas vezes mesmo dentro de água.
fotografia de João Pena Rebelo |
No segundo abastecimento, o primeiro
com sólidos, aproveitámos para parar um pouco mais, comer umas frutas e batatas
fritas, para repor energias, ingerir um pouco de isotónico e preparar-nos para
o que ainda tínhamos pela frente. Mas nada dos podia preparar para o que ai
vinha. Depois deste ponto, e após um pequena descida difícil e escorregadia em
calçada romana, passámos uma pequena ponte de pedra e…. começámos a subir, a
subir, a subir, a subir…. Enfim, parecia que não havia mais nada no mundo. A
determinada altura, não sabíamos quanta subida ainda faltava, parámos um pouco,
para fotos mas sobretudo para respirar, e decidimos que aquilo não nos iria
tirar o ânimo. Há vários km que não corríamos, apenas caminhávamos – ainda que
em passo rápido – e, em vez de nos frustrarmos com isso, decidimos brincar:
“para caminhada estamos num ritmo forte!” e “para a próxima inscrevemo-nos na
caminhada!”.
Mais à frente, não sabemos bem quantos
km mas muito tempo depois, chegámos a um novo abastecimento. E, no espírito de
bom humor com que vínhamos, o Pedro voltou-se para um dos rapazes e pediu uma
posta arouquesa. A resposta não tardou: “posta não temos, mas está aí um
presunto muito bom”. E não é que era mesmo? Excelente presunto e paio, que
ingerimos satisfeitos, mais batatas fritas e um pouco de coca cola, além de
fruta e bebida isotónica. O difícil aqui foi não comer demais e resistir a
ficar ali a comer em vez de seguir com a corrida.
fotografia de Pedro Beco |
Mas já estávamos ali, agora era mais
um esforço até superar mais um desafio. Assim sendo, lá recomeçamos a correr,
mas por pouco tempo, pois a subida continuava. E continuava, e continuava, até
finalmente estarmos num ponto em que víamos que não podia haver muito mais para
subir. É que já não havia mais terreno para cima. E de facto assim foi: demos
uma volta para chegar mesmo ao topo e depois começou aquilo que viria a ser uma
parte do percurso sempre a descer, divertida, com partes de solo mole em que
dava para saltar sem medos do impacto no solo, até chegar ao empedrado onde já
se avistava o topo da igreja junto da qual estava instalada a meta. E foi assim
que, sempre a descer e quase fazendo esquecer todos os km de subidas até aí,
fomos chegando cada vez mais próximo do final, vendo os aventureiros que já
tinham terminado e o aglomerado de pessoas que assistiam à chegada de todos
aqueles “malucos” que andavam desde madrugada a correr pela serra, com aquele
calor. Já bem perto da meta, quem vemos senão a Ana Luísa e o Paulo, sempre com
a sua boa disposição, fazendo fotografias mas sobretudo festejando a chegada de
cada participante, especialmente dos amigos, como se fossem eles próprios a
concluir esta etapa. E com o passar da meta terminámos mais esta aventura, mais
este desafio, superámo-nos mais uma vez!
fotografia de Ana Luísa Xavier |
Claro que depois não fomos logo
embora. Fizemos uns alongamentos enquanto trocávamos impressões com
companheiros, assistimos à chegada de mais uns quanto participantes e
aguardávamos que uns amigos aparecessem na curva para completarem a sua prova.
Mas porque a fome já apertava e o calor também, tivemos de ir ao banho, na
escola com boas condições e água bem quente (dir-se-ia até quente demais para a
temperatura ambiente; é pena alguns eventos no inverno não terem banhos com
água assim quente) e ao almoço disponibilizado pela organização, numa outra
escola, mas também com boas condições e boa relação qualidade/preço.
Quando voltámos à zona de meta, já os
nossos amigos tinham terminado. Ficámos tristes por não ter lá estado para
acompanhá-los nos metros finais de tão alto desafio (tinham ido todos para o
ultra, de 60 km) mas sabemos que não estavam sozinhos, estava lá quem os
recebesse condignamente. Ficámos mais um pouco sentados na sombra, aplaudindo e
incentivado quem ia chegando até que, pela hora avançada, tivemos de ir embora
para podermos passear os cães, pois já tinham passado muitas horas desde que o
tínhamos feito.
E aqui começava uma nova fase desta
aventura. Depois de passear os cães, e aproveitando o calor que estava e as
condições do local, pudemos aproveitar quase duas horas a relaxar junto da
piscina, em que a Anita ainda dormiu um pouco, nadar, conviver com um outro
casal com crianças que lá estava e conversar mais com a dona da casa. Depois disto,
hora de tomar banhoca e tratar do jantar, que gentilmente nos permitiram
preparar na cozinha da casa principal, comer acompanhados pela D. Emília e pelo
Sr. Agostinho, lavar a louça e de seguida passarmos todos para a sala da
televisão para, entre conversa animada e uma bela aguardente velha, íamos todos
deitando um olho à final do campeonato do mundo de futebol.
Na manhã seguinte, depois do pequeno
almoço excelente, com direito a bolo caseiro e tudo, pudemos voltar a passar
algum tempo aproveitando os jardins e paisagem, sentados no baloiço em frente à
piscina, antes de arrumarmos tudo calmamente para fazer a viagem de regresso
pela “rota turística”, sempre pela estrada o mais junto ao rio possível, até
chegar ao Porto, o nosso destino para esse dia. Depois? Bem, depois acabou a
aventura, terminou o fim de semana, o tempo deixou de estar parado. Recomeçava
o trabalho. Agora há que esperar pela próxima oportunidade. Ou procurá-la,
talvez seja melhor!
PS – este relato ficou um pouco longo.
Mas desta vez não podíamos contar apenas a parte da corrida. Este evento foi
toda uma aventura, todo um pack indissociável. Esperamos que tenham tido a
paciência de o acompanhar até ao fim, que é sempre onde está a “meta”.
Obrigado!
Muito bom!!! Apesar das subidas :-D, espero que tenham ficado surpreendidos com a paisagem do Bestança! Pois os 18 km eram curtos, mas o mais intenso! Provavelmente dentro desta distância, penso que é o mais díficil e duro de Portugal.
ResponderEliminarEspero vê-los no UTDP 2015! Mais uma vez muito obrigado!
Este comentário foi removido pelo autor.
Eliminarfoi difícil, mas valeu a pena! e depois de terminar já nem custa tanto.... ;)
Eliminarse tudo correr bem, lá estaremos para o ano!
Belo relato! A prova merece um texto assim!
ResponderEliminarParabéns a ambos!
obrigado!
Eliminar[não é um texto que nos faz chorar ou viver intensamente a prova diante de um ecrã de computador (como os teus nos fazem) mas é a nossa verdade sobre o evento]